quinta-feira, 9 de abril de 2020

CARTA EMOCIONADA ENVIADA PELO PROFESSOR GILBERTO TELMO À RACHEL DE QUEIROZ

Professor Telmo e Rachel de Queiroz
 As cartas sempre constituíram fortes ferramentas de comunicação. Quem, na geração passada, não esperou a chegada do carteiro com uma carta nas mãos para nos entregar. Como na canção de Isaurinha Garcia ficávamos a imaginar que poderia ser de tristeza ou alegria? E as velhas cartas de amor, às vezes perfumadas, que povoaram nossas vidas de sonhos e emoções. Pensava-se que elas não mais apareceriam, mas, recentemente, quando esteve na prisão, o ex presidente Lula as recebei em grande quantidade, evidentemente, na maioria das vezes, com conteúdo político. Devido ao fato da troca de correspondência entre destacados nomes de pensadores e escritores terem se registrado com frequência e devido as suas publicações em livros, passaram à condição de se  tornar até um fato literário. Só para citar um exemplo, o livro que focaliza as cartas trocadas entre Manuel Bandeira e Mário de Andrade foi um dos que obtiveram extraordinária recepção por parte do publico e da crítica. Incansável caçador de pérolas, localizei uma carta do professor Gilberto Telmo que foi endereçada a escritora Rachel de Queiroz datada de 20.06.1993. É um misto de amor declarado a Rachel e desabafo diante do massacre que estavam promovendo nas faculdades, em especial, nas cidades do interior. Mas, a saudade ganha grande destaque pelo fato da amizade que surgiu entre o professor e a escritora. Apesar da simplicidade de Rachel e Telmo, a carta mostra a riqueza de Cultura de que os dois são possuidores. Implorei ao professor Telmo para fazer a divulgação no meu blog e ele, sempre muito gentil, concordou na hora. Boa leitura. amigos.

 CARTA A RACHEL DE QUEIROZ

Domingo, 20 de junho de 1993, dezenove horas

Estou voltando, sozinho, da tua Fazenda Não Me Deixes, para onde fui te levar. Cumpriste hoje intensa programação. Recebeste a chave da cidade. Depois o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual do Ceará na Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central.

As lembranças me remetem à infância. No Colégio Salesiano fui proibido de ler O Quinze. Estava no índex: eras comunista.

Conheci-te através da Revista O CRUZEIRO, na companhia de Gustavo Barroso, Austregésilo de Athayde, Carlos Estevão, Péricles, David Nasser e tantos outros. A minha leitura da revista começava sempre pela última página. Guardo na memória o artigo A COLA ELETRÔNICA.

Alunos do curso de engenharia de Ouro Preto montaram uma emissora clandestina de ondas médias. A partir de então, os lares da cidade e o éter de Minas foram invadidos por informações as mais diversas de interesse localizado. Era a RÁDIO CABACINHA, a serviço da fraude, utilizada para transmitir a “cola” ou a “pesca” durante as provas da Faculdade. Lamentava a professora Rachel não fossem o talento, a inteligência e o tempo empregados a serviço de uma causa nobre.

Encontrei-te já em 1987. Tempos difíceis. Os cursos superiores de Quixadá, Itapipoca e Crateús estavam cassados pelo Conselho Federal de Educação. Vivíamos o pesadelo atroz da ameaça real de fechamento das Faculdades do Interior, do eclipse total. Procurei-te angustiado em Não Me Deixes, a nossa Pasárgada.

Comprastes a nossa briga junto aos teus amigos do Conselho Federal de Educação. As dúvidas foram dissipadas. A ação solerte dos inimigos da Faculdade foi anulada. A batalha foi vencida. As Faculdades foram salvas. O projeto educacional do Sertão Central também.

Ao te encontrar hoje pela manhã, comovido como das outras vezes, escutei de ti: “estava com saudade”. Há pouco tempo eu te trazia para o teu refúgio. Conversamos ao crepúsculo. Palavras sobre a seca. Pedias a minha opinião sobre a venda de teu gado. Como se um humilde professor, nunca possuidor de um simples borrego pudesse opinar sobre o assunto.

Estou escrevendo para te aperrear outra vez. Li no jornal o teu apelo ao presidente da República. Insiste! A seca de 1993 é crudelíssima. Nunca vimos coisa igual. Os rebanhos estão deixando o nosso Sertão. Os açudes estão secos. O povo padece de fome e sede. Nunca o quadro foi tão cruel. Insiste Rachel! O teu povo está sofrendo além da conta...

Na minha tristeza da despedida me dissestes: “Pede a Deus para fazer chover. Eu volto logo”.

Vou pedir. Estou com saudade. Um beijo.

<>Imagens retiradas da Internet