terça-feira, 31 de março de 2020

CONHEÇA A HISTÓRIA DE SILVINO-O HOMEM QUE BRIGAVA COM O TREM

Maria Fumaça nos bons tempos do trem
Volte papaizinho!
<><>A fumaça da velha locomotiva entrava na nossa casa, pois, as  residências de nossos pais e parentes, sempre foram construídas nas proximidades da linha férrea.  Ali pelos anos 60, quando era já  um garoto que amava Beatles, Rolling Stones e Luiz Gonzaga, ao ouvirmos o barulho das máquinas à vapor, papai que sempre foi muito divertido,imitava o seu barulho e correndo atrás de mim, fazia assim "Vou te capar! Vou te capar!"  Mas de tudo, o que mais gostava era do apito que parecia querer dizer alguma coisa como: "Teu pessoal em Fortaleza tá muito bem"; "Tô com fome, quero comer mais lenha!" Quando estamos nos jovens anos de nossas vidas, a pureza ainda se faz presente e eu na estrada, acompanhando sua passagem gritava bem alto:  "Bom dia dona Maria Fumaça!" Tinha vontade de estar sentado naquele monte de lenha empilhada. É máquina a vapor, meu filho, lembrava papai. Tinha ciúme dos meninos da minha rua que ficavam a olhar para ela com muita admiração. Passava boa parte do dia fazendo riscos no chão, esperando a hora de minha amiga passar. Foi aí que um dia me deparei com um fato que nunca esqueci: Um homem com apenas um braço ficou na frente da Maria Fumaça atirando pedras e falando: "Vou matar você e vai me pagar por ter cortado o meu braço!" E ele ficava na frente da máquina e algumas vezes, os bondosos maquinistas paravam o trem. E ele esmurrava as laterais, cuspia, mandava o pau de jucá nas grandes rodas. Exaltado, berrava: "Rapariga de soldado, tu me paga!". Só quando papai, seu Raimundinho e Chico Caetano chegavam, ele se acalmava e com o tempo, fez amizade com todos da nossa casa. Ele dizia chamar-se Silvino e não sabia de onde vinha nem para onde ia e como o tratávamos bem, ele nos confiou que sofreu um acidente quando trabalhava numa linha férrea e diz não ter visto a aproximação da Maria Fumaça. Com momentos de lucidez, falou que depois deste triste fato ficou desorientado e nem mais lembrou de família e nem sabia onde morava. Contou que prometeu se vingar e que um amigo lhe deu o número da Maria Fumaça que lhe causou o acidente. Falou que chamou-a para brigar, mas ela era covarde e parava com medo dele. Ficou frequentando nossa casa por muitos anos e chegava até de madrugada, pois naqueles anos 60, podíamos deixar a casa aberta que não acontecia nada. Só gostava de conversar com ele, quando estávamos a sós e ele confiava tanto em mim que nasceu uma grande amizade. Com jeitinho, fui falando para ele que a dona Maria Fumaça percorria os caminhos de ferro e não era como gente e o que aconteceu com ele foi um acidente. Demorou bom tempo, mas ele começou a entender e atendendo o nosso pedido, nunca mais foi brigar com o trem. Teve início aqui em nossa casa uma luta para encontrar a família de Silvino mas, era quase impossível já que naqueles anos não tínhamos a tecnologia que temos nos dias de hoje. De repente, apareceu uma luz e papai teve a ideia de colocar um anúncio no programa "Alô Sertão" apresentado pelo radialista Oliveira Ramos, aquele do "Segura o bode!". Papai, ainda na madrugada, correu para a agência da empresa "Redenção", pagou a passagem ao amigo Zezinho e partiu cheio de esperança. O programa era no período da tarde e ele aproveitou para fazer compras para a sua bodega no mercado público. No nosso amado Quixadá, ouvimos a divulgação do anuncio. Papai só chegou em casa, à noite, e fomos dormir com muita esperança.  Silvino estava bem mais feliz, calmo e gostava muito de comer bolachas que comprávamos na Padaria Estrela, acompanhadas de um gostoso Aluá preparado pela nossa tia Maria. Passaram-se algumas semanas e nada e ,então, começamos a perder as esperanças de aparecer alguém da família de Silvino. Ele pediu para visitar uns amigos que tinha muita saudade e que moravam aqui mesmo em Quixadá. Num domingo ,à noite, nosso cachorro Apolo latia anunciando a chegada de alguém. Ao abrirmos a porta, uma senhora e um linda jovem, educadamente, nos cumprimentam e anunciam que eram a esposa de Silvino e a filha de 30 anos. Matilde, a esposa, Anunciada, a filha. Foi o dia mais feliz de nossa casa, nunca teve outro. Anunciada falou que  Silvino saiu de casa fazia 20 anos para trabalhar e não avisou o local e não voltou mais para casa. Esta minha filha quase morre de saudade e nunca mais teve alegria, chorando sempre, todo esse tempo. Ela só tinha 10 anos e sua vida foi sempre muito difícil. Mamãe e todos da casa com muito carinho, garantia que dentro de pouco tempo elas veriam o querido familiar. Eu e meu pai, ficamos encarregados de trazer trazê-lo para casa e o procuramos por todo o dia. Estávamos confiantes em encontrá-lo e loucos para apresentá-lo a sua família. Mas, uma notícia que nos foi dada pelo nosso amigo carpinteiro, Silva, foi um aço frio de um punhal. Ele falou que Silvino foi colhido por uma locomotiva na velha ponte ferroviária, tendo morte imediata. Ao entramos em casa, todos perceberam que algo deu errado e papai quase sem conseguir falar deu a triste notícia. Todos, chorando, abraçados, como se fosse uma só família. Nunca esqueci daquela imagem da filha de Silvino, ajoelhada, chorando muito e pedindo: Volte papaizinho, volte!
<>Todas as imagens foram retiradas da Internet
A Maria Fumaça desapareceu junto com os trilhos

Aquela densa nuvem de vapor era a grande marca da Maria Fumaça

Velha ponte ferroviária