segunda-feira, 20 de abril de 2020

ADEUS BENEMÉRITO ZÉ DA PÁSCOA- -CRÔNICA ESCRITA PELO PROFESSOR GILBERTO TELMO SIDNEY MARQUES

Zé da Páscoa-seriedade no trato da coisa pública

<>Ao cair da tarde, junto com mais um dia de agosto, deixava o nosso convívio o querido amigo Zé da Páscoa. O sol na sua marcha inexorável levou consigo o nosso Zé. E fez-se noite sobre nós. É impossível descrever em uma crônica toda a nossa tristeza e a nossa dor. Cabe-nos, porém o sobre-humano esforço de prestar ao cidadão Zé da Páscoa a nossa última homenagem. Nesta hora grave e triste queremos ser o porta-voz de milhares de quixadaenses que agora, como órfãos, pranteiam a perda irreparável. Referimo-nos aos humildes. Aos moradores de D. Maurício. Aos inúmeros afilhados do Custódio. Aos incontáveis amigos de Quixadá, da sede e dos distritos. É bem verdade que José da Pascoa não nasceu em Quixadá. Adotado pela nossa terra, nunca ninguém soube honrar tanto o título de cidadão quixadaense. Vereador em várias legislaturas, Páscoa se alinha entre os melhores prefeitos de Quixadá. Administrou os recursos do município com parcimônia. As suas obras são um atestado da sua competência. Aí estão o Hospital Eudásio Barroso, o Ginásio Municipal, a av. Plácido castelo, a praça D. Revy e inúmeras escolas espalhadas pelos distritos. Construir escolas, praças e hospitais qualquer homem público faz. Páscoa construiu em Quixadá uma obra maior, mais permanente, mais definitiva. Construiu a reputação de homem sério e político honesto, qualidades raras nos dias de hoje. Espécie em extinção, com seu exemplo de decência alimentou a esperança dos humildes. A esperança de que, no meio de tantas decepções, é possível encontrar políticos sérios. Lúcido no alto de seus setenta anos, foi austero sem ser carrancudo. Sabia conciliar seu trabalho com a palavra agradável, prosava com os amigos. Tinha conceitos próprios e posições políticas definidas. Enfrentou duras campanhas como as duas últimas para a prefeitura municipal. Não se permitiu nem aos amigos agredir os adversários mesmo no calor dos discursos. Exerceu a política com ética. De maneira exemplar e ímpar. Na condição de vice-prefeito soube ser leal ao titular. Firmou-se como um colaborador correto e eficaz. Não disputou espaços políticos. Nas últimas eleições municipais, ganho para a causa maior do povo de Quixadá, enfrentou dificuldades e adversidades percorrendo o Sertão convencido da necessidade de seu sacrifício para contribuir com a mudança que os mais humildes sonhavam. Com a vitória assumiu a secretaria de Administração e Finanças onde implantou um estilo de trabalho pautado pelo rigor no trato dos recursos municipais. Trabalhou até a semana passada quando sentiu necessidade de procurar o médico. A morte surpreendeu a todos: a ele que queria continuar trabalhando por Quixadá e a nós que o queríamos por muito tempo ainda servindo de referência, de padrão na busca da mudança dos costumes políticos. O traço marcante de José da Páscoa foi, sem dúvida, a integridade, a extrema responsabilidade no trato da coisa pública. No entanto, pontificou em outras atividades de cunho social. Foi presidente do Lions Clube várias vezes e do Avante Esporte Clube por muitos e muitos anos. Assoberbado de trabalho sempre arranjava um tempinho para comparecer aos eventos políticos e culturais. Discutíamos recentemente a execução do projeto Memória Quixadá, junto com a Secretaria de Cultura. Era seu objetivo implantar nas escolas de ensino fundamental a disciplina História de Quixadá para resgatar os fatos da formação do município e informar às crianças, construindo-lhes a cidadania. Aos setenta anos era um homem moderno, avançado, permeável ao progresso, receptivo a novas ideias, preocupado com o futuro de Quixadá, sobretudo com os humildes para os quais sempre dedicou especial atenção. Torna-se ocioso falar sobre o cidadão, o esposo, o pai, o avô. Somos todos testemunhas do carinho que nutria por todos os familiares. Enviamos nesta oportunidade o nosso abraço solidário e emocionado a D. Necy, a todos os filhos e netos. Compreendemos a dor de todos vocês. Ela também nos atinge a todos. A todos os quixadaenses. Estamos sofrendo muito. Não permita Deus que se passem muitos anos sem que apareça um novo Zé da Páscoa em Quixadá. Perde hoje Quixadá a sua maior expressão política de todos os tempos. Perde hoje Quixadá o benemérito Zé da Páscoa na expressão de Rachel de Queiroz. O povo perde hoje seu maior benfeitor, administrador emérito, gestor incorruptível do dinheiro público. Chora D. Maurício. Chora Custódio. Chora Quixadá. Que o pranto dos humildes possa irrigar a terra seca do Sertão e dela fazer brotar a esperança de que não teria sido em vão o exemplo, o sacrifício, a paixão e a morte de Zé da Páscoa pela sagrada causa do povo do Sertão.
Adeus Zé da Páscoa.
Quixadá, 25 de agosto de 1995

José da Páscoa sempre tratou bem seus amigos

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quinta-feira, 9 de abril de 2020

CARTA EMOCIONADA ENVIADA PELO PROFESSOR GILBERTO TELMO À RACHEL DE QUEIROZ

Professor Telmo e Rachel de Queiroz
 As cartas sempre constituíram fortes ferramentas de comunicação. Quem, na geração passada, não esperou a chegada do carteiro com uma carta nas mãos para nos entregar. Como na canção de Isaurinha Garcia ficávamos a imaginar que poderia ser de tristeza ou alegria? E as velhas cartas de amor, às vezes perfumadas, que povoaram nossas vidas de sonhos e emoções. Pensava-se que elas não mais apareceriam, mas, recentemente, quando esteve na prisão, o ex presidente Lula as recebei em grande quantidade, evidentemente, na maioria das vezes, com conteúdo político. Devido ao fato da troca de correspondência entre destacados nomes de pensadores e escritores terem se registrado com frequência e devido as suas publicações em livros, passaram à condição de se  tornar até um fato literário. Só para citar um exemplo, o livro que focaliza as cartas trocadas entre Manuel Bandeira e Mário de Andrade foi um dos que obtiveram extraordinária recepção por parte do publico e da crítica. Incansável caçador de pérolas, localizei uma carta do professor Gilberto Telmo que foi endereçada a escritora Rachel de Queiroz datada de 20.06.1993. É um misto de amor declarado a Rachel e desabafo diante do massacre que estavam promovendo nas faculdades, em especial, nas cidades do interior. Mas, a saudade ganha grande destaque pelo fato da amizade que surgiu entre o professor e a escritora. Apesar da simplicidade de Rachel e Telmo, a carta mostra a riqueza de Cultura de que os dois são possuidores. Implorei ao professor Telmo para fazer a divulgação no meu blog e ele, sempre muito gentil, concordou na hora. Boa leitura. amigos.

 CARTA A RACHEL DE QUEIROZ

Domingo, 20 de junho de 1993, dezenove horas

Estou voltando, sozinho, da tua Fazenda Não Me Deixes, para onde fui te levar. Cumpriste hoje intensa programação. Recebeste a chave da cidade. Depois o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual do Ceará na Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central.

As lembranças me remetem à infância. No Colégio Salesiano fui proibido de ler O Quinze. Estava no índex: eras comunista.

Conheci-te através da Revista O CRUZEIRO, na companhia de Gustavo Barroso, Austregésilo de Athayde, Carlos Estevão, Péricles, David Nasser e tantos outros. A minha leitura da revista começava sempre pela última página. Guardo na memória o artigo A COLA ELETRÔNICA.

Alunos do curso de engenharia de Ouro Preto montaram uma emissora clandestina de ondas médias. A partir de então, os lares da cidade e o éter de Minas foram invadidos por informações as mais diversas de interesse localizado. Era a RÁDIO CABACINHA, a serviço da fraude, utilizada para transmitir a “cola” ou a “pesca” durante as provas da Faculdade. Lamentava a professora Rachel não fossem o talento, a inteligência e o tempo empregados a serviço de uma causa nobre.

Encontrei-te já em 1987. Tempos difíceis. Os cursos superiores de Quixadá, Itapipoca e Crateús estavam cassados pelo Conselho Federal de Educação. Vivíamos o pesadelo atroz da ameaça real de fechamento das Faculdades do Interior, do eclipse total. Procurei-te angustiado em Não Me Deixes, a nossa Pasárgada.

Comprastes a nossa briga junto aos teus amigos do Conselho Federal de Educação. As dúvidas foram dissipadas. A ação solerte dos inimigos da Faculdade foi anulada. A batalha foi vencida. As Faculdades foram salvas. O projeto educacional do Sertão Central também.

Ao te encontrar hoje pela manhã, comovido como das outras vezes, escutei de ti: “estava com saudade”. Há pouco tempo eu te trazia para o teu refúgio. Conversamos ao crepúsculo. Palavras sobre a seca. Pedias a minha opinião sobre a venda de teu gado. Como se um humilde professor, nunca possuidor de um simples borrego pudesse opinar sobre o assunto.

Estou escrevendo para te aperrear outra vez. Li no jornal o teu apelo ao presidente da República. Insiste! A seca de 1993 é crudelíssima. Nunca vimos coisa igual. Os rebanhos estão deixando o nosso Sertão. Os açudes estão secos. O povo padece de fome e sede. Nunca o quadro foi tão cruel. Insiste Rachel! O teu povo está sofrendo além da conta...

Na minha tristeza da despedida me dissestes: “Pede a Deus para fazer chover. Eu volto logo”.

Vou pedir. Estou com saudade. Um beijo.

<>Imagens retiradas da Internet


quarta-feira, 8 de abril de 2020

"JORGE, AQUELE QUE ERA AMADO"- CRÔNICA DE AUTORIA DE BRUNO PAULINO

Bruno Paulino
<>Terminei de ler, tem poucos dias Jorge Amado – Uma Biografia, escrita pela jornalista Joselia Aguiar. Pesquisa e narrativas impecáveis. Gosto de ler biografias. Jorge Amado é uma figura deveras interessante, faz parte do rol de certas pessoas de quem gosto de saber, que aumentam o meu mundo. Era adolescente quando li Tieta do Agreste, e foi a primeira vez que me deparei com a palavra “xibiu” impressa num texto literário. Lembro que pensei: esse cara é doido. Escreve sem bijuterias. Daí, depois li tudo que ele escreveu. E fiquei, é claro, extasiado-encantado, sobretudo com suas personagens femininas, protagonistas em grande parte de seus romances.
Jorge Amado
Jorge Amado era antes de tudo um grande contador de histórias. Não foi um artesão da linguagem como Guimarães Rosa, mas ele escrevia uma história como só os grandes fabuladores são capazes, e aí talvez esteja o segredo de seu sucesso junto aos leitores. O próprio dizia ser o escritor menos literário do Brasil. É impossível, no entanto, desgrudar das aventuras dos Capitães de Areia ou de Gabriela, Cravo e Canela antes de terminar os livros. Jorge disse certa vez escrever porque, bem ou mal, era tudo quanto sabia fazer, e porque desejava comunicar-se e ser de alguma forma útil para seu povo. Acho que essa é a grande missão de qualquer escritor: transmitir vida ao seu povo. Poucos sabem, mas o escritor também foi deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB-SP), de 1946 a 1948. No seu breve período enquanto parlamentar deixou como parte do seu legado a emenda 3.218 à Constituição Brasileira promulgada em 1946. Lei que tratava do livre exercício de crença religiosa. Num país de intolerância religiosa como Brasil, a lei ainda hoje é uma segurança jurídica aos religiosos das mais diversas matizes culturais.
Jorge foi “um menino grapiúna”, nascido nas grandes fazendas produtoras de cacau no sul da Bahia no começo do século passado. Sua literatura é profundamente telúrica ao retratar Salvador, a Bahia de todos os Santos e sua gente. Nesse sentindo, o critico literário Alfredo Bosi, destaca no seu livro História Concisa da Literatura Brasileira, que Jorge Amado foi fecundo contador de histórias regionais, e definiu-se certa vez apenas como um baiano romântico sensual. Outra definição curiosa sobre Jorge Amado é a do poeta Vinicius de Moraes. Segundo o poetinha, o escritor baiano era o tipo de cara que entra na sua casa, quebra seus bibelôs e ainda “viola” suas irmãs cantarolando a internacional. Claro, que isso não passa de brincadeira do Vinicius de Morais… Melhor tipo de pessoa o Jorge Amado, né?
Lembro que quando estive em Salvador conheci a Fundação Casa de Jorge Amado no Pelourinho e também a Casa do Rio Vermelho. Inúmeros objetos, vídeos, fotografias, depoimentos, exposições ajudam a guardar a memória do escritor. Foi, sem dúvidas, dois dos locais que durante a minha vida inteira, mais me emocionei ao visitar.
Por fim, só posso é concordar com aquela frase, de quem não sei identificar a autoria, mas os leitores costumam compartilhar nas redes sociais e a usam nas estampas de camisetas: “O Machado era de Assis, a Rosa do Guimarães, a Bandeira do Manuel. Mas feliz mesmo era o Jorge, que era Amado.”


-VAMOS LER JORGE AMADO?
<>Bruno Paulino é escritor e aprendiz de passarinho- Professor de Língua Portuguesa e imortal da Academia Quixadaense de Letras e da academia Quixeramobinense de letras.
<>Crônica publicada no jornal "O Povo" em 08.04.2020




<>Imagens retiradas da Internet
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<>AS HISTÓRIAS(ESTÓRIAS) QUE VOVÔ PAIDETE CONTAVA- HEI, VOCÊ AÍ, ME DÁ UM BORÓ

Vovô Paidete comprava e pagava com boró
<> Meu inesquecível vovô Paidete me contou, certa vez, que quando ainda era menino de calças curtas, ia fazer compras no mercado que já existia na cidade e pagava com um dinheiro que ele chamava de boró. Pagava fumo, mandioca para fazer beiju ou o que era preciso para o preparo do caldo de mocotó. Durante bom tempo, fiquei com isso na cabeça. Será que o velho mentiu quando me falou isso? Só depois de alguns anos quando me aproximei do professor de todos nós,o memorialista João Eudes Costa foi que me informei sobre a veracidade do que vovô me contou. Eudes, ao me receber sempre com muita atenção, disse na minha cara: "Não,seu avô não mentiu!".E falou que isto aconteceu quando era prefeito da cidade, Francisco Alves Barreira(1893-1895) e que a Câmara Municipal foi quem elaborou esta lei com o objetivo de facilitar o troco. Foi o povo que começou a chamar esta moeda de "Boró" que algum tempo depois teve proibida a sua circulação. Foi verdade, mesmo! Me perdoe, vovô Paidete! O Senhor não mentiu!

<>As imagens foram retiradas da internet




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