Num dia qualquer, caminhava, à toa na vida, nas ruas da minha bela Quixadá quando deparei com um senhor, cercado por muitas pessoas e falando, com segurança, que tinha nascido há trezentos anos atrás! Aquilo chamou a atenção de todos! A cada fato contado, passava uma bacia, pedindo uma(ou mais) moedinhas. Ele falava sobre o nosso passado, mais ou menos, assim: Eu vi José Ferreira de Barros, em 1755, tomar posse do seu sítio Quixadá. Vi a imagem da sagrada família que ele trouxe nas bagagens carregadas em costas de burros. Ei vi tudo isso! Nasci há trezentos anos atrás! Presenciei os terríveis três anos de seca: 1877-78-79. Andei pelo grande curral, cercado de arame, levei mantimentos preparados pela minha mãe para aquela gente que tentava sobreviver ali, naquele local. Vi sim! Eu vi! Carreguei as malas de Dr. Revy, o grande nome da construção do açude do cedro.Vi, muitas vezes, a marchambomba(carreta com rodas de ferro, movida a vapor), transportando material para a construção do açude. É, não tem nada sobre Quixadá que eu não saiba demais!Vi tudo! Mamãe me carregou nos braços com medo da sangria do açude, em 1924. Eu fui o entregador do primeiro jornal quixadaense "O Matuto". Eu vi o Pe. Antônio Alexandrino de Alencar abençoar o prédio da estação ferroviária. Vi mesmo! Nasci há trezentos anos atrás! Não tem nada sobre Quixadá que eu não saiba demais! Andei, sem pagar, nos bondinhos que fazia o percurso do açude do cedro até a estação ferroviária. Chorei muito ao ver, ali, no começo dos anos 20, um carro marca Overland, cair no açude, matando meu mais novo amigo, o Pacatuba. Eu vi! Na verdade, não tem nada sobre Quixadá que eu não saiba demais! Acompanhei na Serra do Estevão a inauguração do Colégio São José. Tive o prazer de apertar a mão de Dom Maurício e outros professores. Não pude estudar ali mas, tinha orgulho ao saber que meu avô, Nabor Crebilon de Sousa, era professor de música. Vi tudo isso! Pois nasci há trezentos anos atrás! Assisti missa celebrada pelo padre Cláudio Pereira de Farias, primeiro vigário da paróquia da terra dos monólitos. Fui testemunha, ali por volta de 1910, da criação do Instituto Chaves, onde, conheci, dentre muitos outros alunos, o futuro general Juarez Távora. Eu Vi! Vi sim! Não tem nada sobre Quixadá que eu não saiba demais! Andei pelos sertões, pedindo galinhas, perus, patos, porcos, a pedido do Padre Luis, com o objetivo de ajudar na construção do Colégio das Irmãs. Vi lindas rainhas dos partidos "branco" e "encarnado" nas quermesses realizadas para angariar recursos que tornariam possível a construção da casa de ensino. Pedia ao Mestre Adolfo para colocar mensagens no "Serviço de Alto-Falante Solon Magalhães". Aproveitava e pedia a Dona Luisa um pastel, precisava matar a fome. Eu vi os jagunços quebrando todos os móveis da casa do prefeito Joaquim Costa Lima por este apoiar Franco Rabelo. Vi sim! Ora, se vi! Não tem nada sobre Quixadá que eu não saiba demais! Vi ainda a inauguração em 1922 da Casa São José e a simpatia do senhor Jorge José Roque. Tomei muitos banhos no rio Sitiá e brinquei no sítio das Liinha(hoje Baviera) Vi, muita vezes, uma senhora por nome de Luzia a fazer caretas pedindo esmolas nas ruas de Quixadá. Participei da eleição do primeiro prefeito eleito pelo voto direto, Manoel Freire de Andrade. Não pude esconder meu voto pois, era a chamada eleição "bico de pena", a gente falava para o juiz. Todas as manhãs, tomava café na venda de Antônio Besouro. Fazia compras na mercearia do Paisinho, na rua do Prado. Comprei muito na bodega do Quinzinho. Vi as crianças da escola da professora Nana, conhecida como "minha mestra", encantando a todos, nos desfiles da Independencia, ali pelos anos 30. Presenciei a chegada do presidente Getúlio Vargas, na estação ferroviária. Me sentei, muitas vezes, no banco da praça e tirei prosa com Maurício Holanda, Chagas Holanda, Firmo de Holanda. Comprei carne e sempre no velho fiado nos açougues de Zé Medonho, Zé Laranjeiras.Vi e vivi tudo isso! Pois eu nasci há trezentos anos atrás e não tem nada sobre Quixadá que eu não saiba demais! Beijei a mão do Padre Luis na sua chegada a nossa terra, na estação ferroviária. Rezei na chuva no alto da pedra do Cruzeiro na colocação da cruz de madeira, símbolo da fé dos quixadaenses. Vi os carpinteiros José francisco dos Santos e José Feliciano confeccionando grandes portas para serem colocadas na nova catedral. Chorei como um cão quando perde o dono, ao ver os altares, um trabalho feito por artistas, serem todos destruídos por ordem do Pe. Dourado. Chorei porque, como todo quixadaense, ajudei na construção. Vi tudo isso! Se alguém tem provas que não estou falando a verdade, dou de presente as moedas que ganhei. SOU UM QUIXADAENSE QUE NASCEU HÁ TREZENTOS ANOS ATRÁS!!!