domingo, 28 de junho de 2015

MERCEARIA DO ZECA METERO- UMA DOCE LEMBRANÇA DOS QUIXADAENSES

Mercearia de Zeca Metero em desenho de Waldizar Viana

José Wilson-papai era um homem generoso
<>Há verdadeiras lembranças na vida que os quixadaenses não podem esquecer. Dentre as boas recordações que os filhos da terra dos monólitos carregam dentro do coração, com certeza, destaca-se a  mercearia de Zeca Metero. As pessoas tinham o prazer de ir até este espaço não apenas para fazer compras, mas conversar com José Gomes dos Santos, seu verdadeiro nome. Não havia dúvidas que o principal atrativo daquele comércio era o próprio dono. Aquela figura era pura poesia, tratando a todos de forma carinhosa, tornando-se uma pessoa bastante querida na cidade. Desde os anos 50 do século do passado,até meados do ano 2000, a mercearia de Zeca Metero foi o principal local, aonde as famílias adquiriam suas necessidades. Lá, se encontrava quase de tudo que era procurado pelas famílias. Homens, mulheres e crianças, adentravam aquele local que se tornaria também um espaço de convivência. Zeca Metero enchia os olhos das crianças quando embrulhava as mercadorias, parecendo estar costurando, com aquele barulhinho do papel. Nos primeiros momentos de funcionamento da famosa mercearia, Quixadá ainda era uma pequena cidade e alguma formas de adquirir os produtos, já não acontece nos dias de hoje. Era costume  comprar, por exemplo, meia lata de óleo, meio quilo de farinha, uma quarta de açúcar, meia barra de sabão, meio litro de querosene para abastecer os lampiões de gás, então muito presente nas residências. No começo, Zeca ainda utilizava as balanças de dois pratos mas, logo substituída pelas, então modernas, marca Dayton.  Meninos de calça curtas compravam baladeiras, bolas de gude, de borracha, revólveres para saírem até a rua e lá brincarem.  Muitas crianças daquele tempo, tinham o costume de desenhar, no chão mesmo, aquela conhecida mercearia. Os rapazes adquiriam brilhantina em pequenas porções que eram colocadas nas mãos pelo simpático comerciante. Saíam dali com a cabeça muito cheirosa e se dirigindo a praça para a velha e gostosa paquera. Na mercearia, havia uma seção própria para as mulheres, comandada pela esposa do proprietário, Maria Luciano dos Santos, carinhosamente chamada de Maria Hemetério. Neste pequeno mas organizado espaço, eram encontrados  produtos que atendiam as necessidades do belo sexo. Ela sempre viajava à Fortaleza, aonde adquiria os artigos em evidência, no momento. Não se pode esquecer o apreciado refresco preparado magistralmente pelo simpático senhor(não havia ainda os preparados artificiais) que, muitas vezes ao dia, era consumido, em especial, pelos trabalhadores. Impossível não destacar o lado humanitário de Zeca Metero. Bem cedo ainda, ele já embalava alguns gêneros alimentícios para aqueles que não podiam pagar. Saindo um pouco do foco de seu comércio, se faz necessário lembrar seu grande amor pelo animais, encarregando alguns empregados de alimentar alguns animais e, de preferência, os gatos, abandonados pela cidade. Mesmo tendo construído um razoável patrimônio, nunca perdeu a simplicidade. Era comum vê-lo utilizando sempre uma bicicleta como meio de transporte. Muito jovem, trabalhava como agricultor, na fazenda Bolívia. Bateu enxada, plantou e colheu algodão, enfrentando muitas horas de serviço. Seu maior sonho era vir morar na cidade, pois queria que os filhos estudassem com o objetivo de  obter suas formaturas. Seu pai, Hemetério Bandeira que mantinha um comércio na praça da estação, encorajou o destemido filho a vir montar um pequeno negócio na cidade. Sempre com coragem para o trabalho, depois de algum tempo, comprou o ponto comercial do senhor Nel. Durante toda sua trajetória, Zeca teve a ajudá-lo, em todos os aspectos, a sua esposa, Maria Hemetério. Depois de algum tempo de namoro, casaram-se no início dos anos 50. O casal era consciente das diferenças entre eles, mas lutaram com todas as forças para viver um grande amor. Tudo começou no momento da chegada de mais um trem na estação(era uma grande atração naqueles anos). A bonita jovem apreciava toda aquela movimentação quando, de repente, um jovem perde o controle da bicicleta e quase causa um pequeno acidente. Será que este amor estava escrito nas estrelas? Desta abençoada união nasceram os filhos José Weimar dos Santos(médico) e José Wilson dos Santos(engenheiro agrônomo). Consta ainda de sua bonita biografia, o envolvimento com as atividades da igreja católica(novenas, quermesses, Leilões) e participação naqueles momentos em que algum conhecido(ou não) precisasse de uma mão amiga. Para grande tristeza dos quixadaense, Zeca Metero faleceu em 17.03.2000, com certeza, deixando um rastro de uma imensa saudade e a lembrança de um caminhar marcado pela generosidade, bondade e, acima de tudo, um grande amor para com todos.
Zeca Metero e família


união com Deus- começo dos anos 50

Zeca Metero solteiro(plano superior) e uma foto das comemorações dos 50 anos de casamento
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domingo, 21 de junho de 2015

JUNINHO QUIXADÁ- A VOZ DE VELUDO DA SERESTA QUIXADAENSE

Juninho Quixadá- voz de veludo da seresta quixadaense

Gilmário e Juninho Quixadá
 <>Quando criança, Mauro Junior Oliveira(verdadeiro nome de Juninho Quixadá) chamava a atenção de professores e alunos ao cantar nas festividades das escolas em que estudou. Nas festas de aniversários, batizados e até casamentos que aconteciam no bairro do Boto, o garoto era convidado para se apresentar. Nunca esqueceu o dia em que, cantando na casa de uma amiguinha, o músico Dudu Viana se aproximou e falou: "Menino, como você canta bem!" Adorava cantar mas o pai José Mauro de Oliveira, alertava "Meu filho, é melhor estudar, cantar só deu certo mesmo para Nelson Gonçalves e eu quero você doutor!". O radialista Julio Cesar que organizava shows em praças da terra dos monólitos e também apresentava programas no rádio, com o objetivo de descobrir novos talentos, convidou o talentoso adolescente para participar de um concurso que escolheria o melhor cantor. Não deu outra. Mauro Junior, disputando com 21 candidatos foi o grande vencedor.  Uma casa noturna, comandada pelo Walker, promovia o evento "Buchada Show" aonde se apresentavam os novos talentos lhe abriu caminhos. Como uma grande chance ainda não tinha surgido, resolveu estudar na banda de música e recebeu todo apoio do Maestro Marquinhos que se tornaria um professor e grande amigo. Mas o jovem precisava trabalhar, ajudar nas despesas de casa e teve que ir a Fortaleza, aonde conseguiu algumas pequenas ocupações. Mas a vida lhe preparou uma surpresa: Frequentando a noite da capital com colegas de trabalho, teve a oportunidade de mostrar sua voz de veludo. Num frequentado restaurante, o seresteiro não teve como atender o pedido  de uma canção de Márcio Greick e aí, por indicação da amiga Rita, ele cantou "Impossível Acreditar que Perdi Você" e foi bastante aplaudido. Realizou apresentações em programas de calouros da "TV", sempre ocupando os primeiros lugares. Era meados dos anos 80.  Mas Juninho não teve como se manter em Fortaleza e retornou a Quixadá. Na terra dos monólitos, encontrou apoio do conhecido seresteiro Chicão, então uma das atrações na já bem movimentadas noites quixadaenses. Chicão, sempre dava oportunidades ao Juninho, ajudando-o a se tornar mais conhecido do público. Mas o grande incentivador de sua carreira foi o popular músico Evandro dos teclados. Este sim, foi o que verdadeiramente abriu as portas para o futuro astro de nossas serestas. Passou a dividir o palco com Gilmário e Aduílio. Teve passagens por bandas de forró e durante algum tempo, era o principal vocalista da banda formada pelo Alci que mantinha um clube no Combate. Fez parte do aplaudido grupo "Trópico Musical" formado por Átila Costa, Ricardinho; Marcos Costa; Leandro. Por problemas financeiros, o grupo encerrou suas atividades mas Juninho recebeu convite para se apresentar ao lado, do hoje consagrado,sanfoneiro Chico Justino que lhe passou várias lições que lhe foram úteis por toda a vida. Depois desta fértil experiencia, formou, ao lado do tecladista Aprígio, uma das duplas mais bem sucedidas, chegando a ter alguns fãs clubes. Juninho e Aprígio se apresentaram em muitas cidades do interior cearense. Para surpresa de seus admiradores, a dupla encerrou as atividades. Então, Juninho Quixadá passou a trabalhar ao lado do tecladista Zé Raimundo(um dos fundadores do grupo Os Dragoes) que fez muito sucesso. Devido a apresentações em programas radiofônicos, recebeu convite para cantar  em diversos municípios do estado. Sempre recebeu o incentivo de sua mãe Marilza e dos irmãos Maria Teresa, Nonato e Evilásio. Juninho não esquece os tempos de escola. O astro quixadaense nunca deixou de sempre lembrar dos seus primeiros professores que foram Jacinta, Edna e Escolástica. Confessa ter chorado quando, voltando de uma apresentação, presenciou operários destruindo a antiga escolinha do Curtume Belém. Sempre foi um aluno aplicado e foi um dos selecionados para estagiar no Banco do Brasil, lá ficando durante 4 anos. Na atualidade, voltou novamente a cantar, acompanhado do seu eterno companheiro de estrada, Evandro dos teclados. Também é um dos componentes da banda Reprise que toca em ocasiões especiais. Louco por Quixadá, não teve coragem de integrar grandes grupos musicais do Brasil. Preferiu continuar cantando para seus fãs e amigos nas noites sempre bonitas da terra dos monólitos. Fique sempre cantando aqui, Juninho! Somos todos seus fãs!
Nos tempos de escola

Primeira comunhão- ao lado da irmã Teresa

Cantar é tudo para ele

Com Evandro, seu grande incentivador

Com Aprígio-dupla de sucesso

quinta-feira, 18 de junho de 2015

BONDINHO DO CEDRO -O MEU SONHO MAIS BONITO

<>Alcançar uma idade avançada, segundo andei me informando, significa entre tantas novas situações, sonhar com mais intensidade. Está acontecendo comigo, amigos! E esta noite sonhei um dos mais belos sonhos que já tive na vida. Sonhei que era um garoto naquele divino e maravilhoso Quixadá dos anos 20, 30. Viajar no bondinho que ia da estação ferroviária ao açude do Cedro era a maior alegria das crianças que ficavam pulando de contentamento sempre doidas para passear naquele simples transporte. Lá estava eu! E nem pagava a passagem pois era amigo de um dos boleeiros, o Doca. Quando eram os outros boleeiros Chico Cangalha e o Caolho comprava caldo de cana ao seu Antônio Camarão e levava para eles. Outras vezes, café e tapioca comprado na banca do Antônio Besouro. Ficava sentado próximo as burras e me passando por boleeiro gritava: "Corre Navalha! Corre Andorinha! Passando o bondinho na praça Coronel Nanan via vários senhores conversando nos bancos como o senhor Nilo, prefeito da cidade, Zé Laranjeiras, Chico Soares, seu Quinzinho, Dalton, Negro Velho ,Hercílio Bezerra.. Achava bonito um senhor conhecido por Beca, soltando rojões. Era festa de São João. Tinha sempre como companheiro de viagem o Pedrinho e Durvalina(onde andarão eles?) que ficavam assustados pelo fato da burra Pirreta dar pulos,ocasionando o balanço do bonde. Ás vezes, dava vontade de saltar quando via outros meninos brincando de peteca, jogo da macaca, anel ou peladas. Portas, janelas, se abriam para ver o bondinho passar. Alguém avisava que" Lá vem o caixa de fósforo!", como era chamado o menor dos bondes.Tinha gente que não conhecia, muito bem vestidos. Diziam que era de fora e vinham conhecer o belo açude do Cedro. Como toda criança também brincava tirando o quepe da cabeça dos boleeiros, puxando a bolsa dos cobradores e até recebendo os pagamentos. Mas,  tudo na esportividade. Naquele tempo, a gente não conhecia maldade.  Para ser sincero não gostava de andar no bondinho, à noite, só viajavam mais casais de namorados. Meus irmãos mais velhos diziam que o guaxinim comia meninos danados e vinham pegar no bonde e por esse motivo não viajava mais  no período noturno. Mesmo assim achava bonito os faróis à querosene, na parte da frente dos bondes. Toda viagem era uma festa. Na volta do Cedro vinha com os bolsos cheios de tamarinas e um saco cheio de mangas. Dava de presente a minha tia Baviera, minha primeira professora. Ficava contado como era bacana anda nos bondinhos para minhas irmãs Cecê e Corrinha. Como é bonita a vida no olhar de uma criança! Por onde o bondinho passava, achava tudo muito bonito. No tempo do inverno, olhava e via ao longe o rio Sitiá poeticamente correndo. Achava lindo aqueles sapinhos pulando de um lado para o outro. Confesso que gostava quando acontecia algum problema. Aí corria e pegava muitas bananas, laranjas, macaúbas nos sítios próximos aos trilhos. Ao acordar, despertado pelas minhas cachorras Linda, Nicole e Rin-tin-tin, pensei comigo mesmo: "Hoje, irei olhar o mundo pelo olhar de uma criança!" Olha amigos, façam o mesmo! É este o simples caminho da felicidade! Não deixe este mundo perverso matar a criança que existe dentro de você. Sonhar com os bondinhos foi o meu mais bonito sonho.
Bondinho do Cedro- desenho de Waldizar Viana

Quixadá nos anos 20

Praça de Quixadá no tempo dos bondinhos

segunda-feira, 15 de junho de 2015

TIPOS POPULARES DE QUIXADÁ(11)OLHO DE BILA- ELE ESTÁ PRESENTE NA GALERIA DOS TIPOS POPULARES DE QUIXADA

Olho de Bila-foi um famoso tipo popular de Quixadá
<>Os quixadaenses sentem bastante a falta de figuras populares tão presentes nas nossas ruas, há alguns anos atrás. A calma terra dos monólitos de então, presenciava o cotidiano daquelas criaturas, de comportamento estranho, rebelde, mas sem nunca terem perdido a capacidade de amar. Sentimos a falta de Bom Legal, Zé do Saco, Pé de Lapa, Pé de Aço, Graúna, Almeidinha, Sempre Serve, Rural, Brinquedo, entre outros. Loucos ou não, não podem cair no esquecimento. Um dos grandes responsáveis pelo festival de irreverencia, estrepolias e rebeldia que se fazia presente em nossas ruas e praças, foi o Senhor José Romão, o popularíssimo Olho de Bila. Ganhou este apelido devido a uma pinta branca nos olhos.  Algumas vezes, se passava por guarda de transito e se sentia com a responsabilidade de orientar e controlar o tráfego. Certa vez, internado num hospital em Fortaleza, chamou a atenção o fato de Olho de Bila, com o objetivo de aliviar as dores dos doentes, ficar pulando de cama em cama, cantando, dançando com os cabos das vassouras. Quando recebeu alta médica, uma criança entrou numa grande crise de choro, pois não veria mais o grande palhaço. Situação presenciada pelos que o acompanharam, os amigos João Bosco e Nazion. Mostrou que, mesmo com uma deficiência, sentia um grande amor por aquelas pessoas. Foi advertido pelo médico para que abandonasse a bebida. Na presença do médico afirmou que jamais beberia daquela água. Assim que o médico saiu do consultório e, como  se estivesse num baile de carnaval, começou a cantarolar:"Só não quero que me falte a danada da cachaça". Segundo a escritora Angélica Nogueira, que mora nas proximidades da velha estação ferroviária, ele costumava, ao amanhecer, fazer discursos em alta voz, se passando pelo presidente Castelo Branco. Morvan Lobo, um dos seus amigos mais presente, nos contou que Olho de Bila tinha uma bonita voz e cantava muito bem. Zeque Roque, pessoa inesquecível, gostava de conversar com ele e se admirava de seus conhecimentos. Sabia de cór, as capitais de vários países da Europa. Quem caminhava pela praça do ferreiro, em anos anteriores, ficava bastante impressionado com os belos desenhos feitos no chão por ele, durante a madrugada. A bondosa Inacinha lhe presenteou com uma cadeira de rodas e ele a transformou num carrinho de "fórmula 1" e, pousando de Emerson Fitipaldi, disputava corrida com os carros que trafegava pela rua Tenente Cravo. Propositadamente, só andava pela contra mão. Num dia de domingo, um carro bateu na sua máquina(cadeira) e foi pedaços para todo lado.  Gostava de pegar carona nos trens de carga. Numa linda manhã, bem cedinho, subiu num dos carros e ficou acenando, dando adeus ao pessoal que se encontrava no abrigo central, próximo a estação. Fazendo caretas, gritava "adeus meus amigos!" Certa vez, foi até a estação de Senador Pompeu. Lá, ficou alojado num desses carros que ficam sem serventia. Algumas mulheres que levavam alimentos para ele, deram-lhe um indesejado banho. Daí em diante, passou a ter grande medo de água. Não quis voltar no trem e Inacinha encarregou o taxista Eílson para ir pegá-lo. Recebeu muitos rádios de presente, mas detonava-os todos e dizia que iria consertá-los. Falava que tinha aprendido o ofício com Zé Adolfo, rádio técnico de reconhecidas habilidades na terra dos monólitos.  A amputação da perna esquerda se deu pelo fato de problemas relacionado a diabetes. Começou com um pequeno ferimento e apesar dos constantes apelos de Inacinha, enfermeira que o tratava, como se da família fosse, não teve o cuidado de prevenir os riscos. Segundo os que conviveram com ele, quando ainda não tinha amputado uma das pernas, bastava um fole rasgar pela cidade, ele corria para dançar e chamava a atenção de todos. Olho de bila, muitas vezes, foi tratado como um mero objeto de nos fazer rir. Muitos deram a ele a cachaça, mas negaram-lhe solidariedade. Em diversas ocasiões, o colocavam na carroceria de um caminhão para desfiles de blocos carnavalescos, abandonando-o em seguida. Apesar de tudo isso, até de ter sido violento em algumas situações(quando o importunavam), o inesquecível Olho de Bila conseguiu conquistar o coração daqueles que o tratavam com amor. Creio que não conseguimos entender a sua necessidade de estar perto de nós. Muitos tinham medo dele, não queriam nenhuma aproximação. Felizes daqueles que enxergam essas pessoas e percebem, com sabedoria, que este mundo não gira apenas em torno de nós mesmos. Queiramos ou não, Olho de Bila e muitos outros, são universos únicos, assim como nós,  também o somos. Eles podem até ser diferentes mas humanos. Três dias depois de ser atropelado numa das ruas da cidade, veio a falecer. Era o ano de 2003. Conhecendo um pouco de sua trajetória, podemos perceber que podemos enxergar o verdadeiro significado de uma pessoa, olhando-o além de seus traços característicos. Veremos que tudo isso é apenas humano. Simplesmente e nada mais.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

FERRUGEM- A MAIOR INVEJA QUE SENTI NA VIDA

<>Sei até demais que a inveja é uma das piores fraquezas do ser humano. Não é que seja insatisfeito com o que Deus me deu, mas humildemente confesso que, há alguns anos atrás, sofri deste ataque, desta grande fraqueza. Na verdade, nunca pensei em possuir um apartamento ou mansão de altíssimo padrão com salas amplas, espaços arborizados. Longe disso! É difícil, mas admito que morria de inveja de um mendigo que perambulava pelas ruas de Quixadá e que o chamávamos de Ferrugem.. Era irmão de Zé do Saco e ambos, mendigavam pelas ruas. Escolheu, como morada(ou esconderijo), uma gruta na pedra do cruzeiro. Uma moradia(para ele, a melhor do mundo), com a altura de 190 metros acima do nível do mar. Me colocava em seu lugar e imaginava a visão que ele tinha da bela(o amedrontava) cidade. Quantas imagens bonitas(outras nem tanto), ele podia vislumbrar lá do alto. Quantas vezes ele assistiu, nas madrugadas, jovens gastando a mocidade. Ao longe, percebia a alegria numa casa, pela chegada de uma nova vida. Viu, tantas vezes, pais de família que trocaram,por algum tempo, seus lares pelos prazeres da vida. Acompanhou o vai e vem dos guerreiros(aqueles que saem cedo para trabalhar). Evidente que também acompanhava cenas tristes, como por exemplo, um rapaz negro e pobre apanhando da polícia por ter roubado pães(seria para alimentar seu filho ou irmãos?). Achava bonito a chegada dos trens na estação. Tinha momentos de menino e juntando caixinhas de fósforos, criava seu próprio trem e falava do mesmo jeito que nós, quando crianças: "Café com pão, bolacha, não!". No descanso da tarde, percebia que a cidade crescia. De longe, contemplava gente de todo jeito, formiguinhas, ido e voltando.  Aqui da janela da minha casa, noite de lua prateada, ficava a olhar para aquela gruta(casa, para ele) e dizia para mim mesmo: "Meu Deus, ele tão pertinho do nosso satélite natural e nem é astronauta!". Percebo que a lua se esconde para mim. Ferrugem, ajoelhado, contemplava o cruzeiro do sul e rezava por nós, aqui embaixo, que tantas vezes o desprezamos. Rezava e. às vezes, conversava com a Mimosa, uma das cinco estrelas desta divina constelação. Passei algum tempo, longe de meu Quixadá querido. Quando retornei, antes de passar em casa, subi, feito um menino de calças curtas, até a gruta para ver meu doce amigo. Um senhor ao lado, falou que ele tinha sido brutalmente assassinado. Justo ali! No lar quer escolheu para viver! Fiquei sentado, por algum tempo, naquele local. Me senti o Ferrugem, pude matar um pouco da inveja que sentia. Mas algo, uma dúvida atroz, passou a incomodar e me perguntava: "Ferrugem optou por aquele lugar para realmente fazer uma morada ou estava fugindo da maldade humana?"