Umm anjo esteve em Quixadá durante algum tempo |
Almeidinha transmitia paz e alegria |
<><><><> Protegido pela escuridão, traiçoeiramente, o assassino travestido de motorista, usou a máquina mortífera para interromper tua última caminhada, meu caro Almeidinha. Como de hábito, te deslocavas a pé para cumprir uma missão rotineira de solidariedade: ias a um velório.
Em poucos minutos jazias estendido no asfalto. O corpo franzino, inerte, envolto pelo manto negro da noite, tua fiel companheira, e tendo a velar teu sono eterno as criaturas de Deus no Sertão. Até a lua se recusou a testemunhar a violência inominável. O orvalho da noite converteu-se em pranto da natureza. Foi sua homenagem a ti, um puro, um simples, um bom.
Não quero lembrar de ti morto, tombado no asfalto. É doloroso demais.
Quero me remeter aos idos de 1984 quando aportei em Quixadá. Falei, como tantos outros, o dia de meu aniversário. Nunca mais esquecestes. Nas proximidades da data me procuravas para os cumprimentos.
Encontrei-te inúmeras vezes na noite quixadaense. Nos clubes, nos bares. Vi-te dançando. Encontrei-te em vários enterros. Nunca te vi violento, nem triste, nem aborrecido.
Por duas vezes presenciei alguém te maltratando. Covardia! Reagi. Os marginais recuaram.
Certa feita, professor William Guimarães e eu te prometemos uma crônica no dia do teu aniversário, 24 de outubro. Lembras? Reagiste prontamente: - Arre égua, não morri não, macho! Na tua compreensão só merecia crônica quem já tinha falecido. Associavas a crônica a uma homenagem pós morte.
Não é esta a crônica que eu estava te devendo. Esta é minha última homenagem. Não é mais um diálogo. É um monólogo. Não podes contestar. Não podes recusar, Almeidinha.
A tua morte prematura, aos trinta anos, priva a noite de Quixadá de um personagem onipresente. A qualquer hora da madrugada em qualquer lugar onde existisse alguém reunido, nos bares, nas serestas, nos clubes aparecias sorrateiramente, com o bonezinho surrado, o relógio no pulso. Estendias a mão, batias um papo curto com cada um, bebias um gole de guaraná, informavas a hora e desaparecias como por encanto, em busca de outras paragens.
Numa época de insensíveis e de tanta crueldade, eras a nota de humanidade da nossa Quixadá. Retratavas uma espécie em extinção: a dos simples, dos ingênuos e, sobretudo, dos solidários à dor alheia.
É, é Almeidinha, certamente já não havia mais espaço para ti neste planeta perverso. Quixadá, hoje, perde parte de sua memória. E, consternada, chora a sua perda.
Longe, bem longe da mesquinhez desse mundo, a aurora vai espantar as densas trevas da noite terrena e um mundo novo te aguarda, radiante. O mundo dos simples, dos puros, dos bons.
Gilberto Telmo Sidney Marques
Nota: Almeidinha foi atropelado na estrada do Algodão quando se dirigia, a pé, para um velório em Ibaretama
As fotos foram gentilmente cedidas pelo professor e memorialista Amadeu Filho a quem agradecemos penhorados.
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