sexta-feira, 27 de março de 2020

<>"QUERO VIVER" - CRÔNICA ESCRITA POR JOÃO EUDES COSTA.

 <> Apesar da violência e de toda espécie da maldade que envolve o mundo, gerando um ambiente de insegurança e medo, quero viver por muito tempo, porque encontro o abrigo, a defesa e o incentivo no amor que ainda existe no coração das pessoas que nos cercam./ Quero viver para sentir a beleza da natureza e a carícia suave do vento. Apreciar o romper da aurora, o nascer de nova luz, mostrando outros caminhos, renascendo esperanças para prosseguir na luta. Não devo morrer ao sentir o sopro do vento morno do desengano, trazendo a fúria dos que agridem, assaltam e matam, tingindo o mundo com o negrume da crueldade. /Quero viver para sentir a grandeza das almas humildes, dos que renunciam em benefício da felicidade dos outros, dos que acreditam na força da doação. Não devo morrer porque a prepotência supera o direito, a falsidade impera, fomentando a guerra fratricida. /Quero viver para beber a água cristalina, descida do céu, que corre pelos riachos e se enroscam, como cobras, pelas veredas do sertão. Não devo morrer porque as águas são poluídas pelo progresso, tirando-nos o ar, a tranquilidade e a própria vida. /Quero viver para abraçar os que me amam, beijar os que me querem e me apoiar no ombro amigo dos que me acolhem em seus corações. Não devo morrer porque encontro o ódio, o desdém e me negam um bastão amigo, onde possa apoiar a minha fraqueza./Quero viver para experimentar o calor da sincera amizade, a energia do abraço afetuoso, o sorriso e o apoio dos que se alegram com as minhas vitórias. Não devo morrer porque os delatores nos traem quando nos beijam e os facínoras nos apunhalam quando nos abraçam. /Quero viver pela fantasia das noites claras, vendo o galopar das nuvens e o namoro das estrelas. Não devo morrer porque a escuridão acoberta, com o seu manto negro, o fantasma da violência e do crime. /Quero viver para acariciar a criança feliz, brincar com a sua inocência e aprender a gostar das coisas simples. Construir castelos de areia e acreditar que tudo é verdade. Não devo morrer porque vejo crianças infelizes, mergulhadas na podridão das drogas e do crime, sem lar, sem rumo e sem destino. /Quero viver para dormir o sono tranquilo, pastorado pela paz das boas ações, sem temer a violência, na serenidade da proteção de Deus. Não devo morrer quando não consigo conciliar o sono porque o remorso cobra alto preço pelo bem que deixei de fazer. /Quero viver para repassar a infância, procurar minhas pegadas por antigos caminhos e não deixar desaparecer aquele menino de alma pura, que mora no âmago de meu coração. Não devo morrer porque não sou mais o menino ingênuo, despreocupado e feliz. Quero viver para penetrar no sertão, repousar à sombra da oiticica, ser acolhido pela simplicidade da casa de taipa e me sentar à mesa farta de amor do bravo homem do campo. Não devo morrer porque mutilaram o sertão, expulsaram seus moradores, enganaram a sua boa fé e os amarraram, a fim de chicoteá-los até a morte. /Quero viver para apreciar o entusiasmo, a alegria e a esperança da juventude que sonha e merece um mundo de paz, tranquilidade e amor. Juventude que deve ter liberdade, consciência de seu valor e fé no futuro risonho que a espera. Não devo morrer, mesmo sabendo que minha juventude já é passada e a velhice é um futuro de quem não conseguimos fugir. /Quero viver, e viver muito, porque tenho muita fé no amor que possuo. Ele me faz forte, sempre alegre e jovem. No dia em que esta carcaça envelhecer e tropeçar em insignificantes obstáculos, dentro de mim, haverá um jovem robusto e sorridente que acolherá o velhinho com afeto, deitando-o no berço macio do amor, mostrando que viver, afinal, vale a pena.
(Escreveu João Eudes Costa)
-Imagens retirada da Internet