<>Vim a este mundo de meu Deus, 29 anos depois da primeira e mais espetacular de todas as sangrias do majestoso açude do Cedro. A fantástica, maravilhosa e até temida sangria ocorreu no ano de 1924. Que privilégio para os olhos que puderam acompanhar este momento, único, divino. Com 20 e poucos anos, presenciei a terceira sangria(1974) e tal qual gente de todas as partes do Brasil, fiquei encantado com tudo aquilo. Mas, me interessava mesmo era saber como foi a que aconteceu naquele distante 1924. Mamãe e papai eram crianças e por isso, nunca perguntei nada a eles. Por sorte, havia alguém da família que testemunhou e certamente, nunca esqueceu daquele espetáculo das águas vencendo a parede da sangria. Meu avô Paidete(José Ferreira) de Sousa foi um destes privilegiados. Apesar da idade já bem avançada, vovô Paidete tinha a lucidez de um adolescente e ,então, nunca duvidei do que ele me contou. Morava numa casa caiada, bem sertaneja, e não era difícil encontrá-lo, pois sempre estava cuidando com muita dedicação de um quintal onde podia se ver, pés de goiabas, limões, dentre outras coisas bonitas daquele tempo. Encontrei-o numa tarde de domingo, se balançando numa rede que diz ter ganho de presente dos índios quando morava no Amazonas. Me prometeu contar o que sabia sobre a primeira sangria, mas sem antes me fazer uma cobrança: Queria um considerável pedaço de fumo Sergipe Sem Mel que prometi lhe dar(ou pagar) quando viajasse à Fortaleza e desse um pulinho na rua Conde D'eu. Seus olhos começaram a ter um brilho que nunca tinha visto e pareciam falar! E começou a narrativa: Era de madrugada, 24 de abril, quando as águas ultrapassaram o sangradouro, mas não sei lhe contar se alguém presenciou. Só pela manhã, quando sai para cobrar aluguel de algumas casas que tinha, foi que percebi que algum fato extraordinário tinha acontecido. Ali, onde ficava a "Casa pernambucana" vi muita água. Muita gente compareceu naquele local e em outros da cidade, surpresos e até com um certo temor, pois nunca pensaram de ver aquilo. Naqueles anos, todo mundo conhecia todo mundo e lembro que me encontrei com o maquinista José Antônio de Lima e dona Dionília, pais do Zé Limeira, conhecido desportista cearense. Lembro bem do Pe. Maurício, não me recordo, no entanto, de seu sobrenome, que compareceu ao local para tranquilizar as pessoas. Não entendia nada do que dizia, o homem era de outras terras. Sempre muito atencioso, o prefeito Nilo(Nilo Tabosa Freire) falava para todos que tudo estava tranquilo e que tinham lhe comunicado de que ninguém perdeu a vida ou grandes estragos. Vovô Paidete, com ares de seriedade, disse acreditar que algumas pessoas podem ter perdido , talvez, suas casinhas, móveis, mas foi enfático ao garantir que não há informações sobre esta possibilidade. Me causou profunda admiração o fato dele falar que nossa população era de vinte e pouco mil habitantes e havia muitos espaços que não eram habitados. Para terminar, lhe digo que até perto das dez da noite tinha gente na rua, pouca, é bem verdade. Naquele ano, a iluminação pública só ia até as 22 horas e aí, com a volta de todos para casa, a calmaria voltou, o medo passou e todos foram dormir em paz. E encerrando o papo, pois queria voltar para a rede, falou: "O Cedro sabe do amor que temos por ele e nunca irá nos fazer nenhum mal". Agradecido e feliz por ter recebido aquelas informações de quem presenciou a primeira sangria, voltei para casa e imaginando que belo espetáculo. Vovô Paidete tornou-se cidadão do céu em 1976. Saudades de Vovô!
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Antiga imagem da sangria do Cedro-retirada da Internet |
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Imagem rara da primeira sangria do Cedro- retirada da Internet |
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Quixadá-anos 20-imagem retirada da Internet |
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Vovô Paidete |